Julgamentos e afirmações: por que entender a diferença entre os dois pode ser transformador para nossas relações?
Uma reflexão sobre julgamentos e afirmações, destacando o impacto deles nas relações e na percepção da realidade.
Marisa Gimenes
Julgamos o tempo todo. É inevitável, pois são impulsos.
Julgamos o governo, as pessoas ao nosso redor, a comida se está boa ou não. Julgamentos podem ser vistos como opiniões, interpretações da nossa realidade. O poder dos julgamentos nasce no fato de que, através deles, definimos o que é ou não possível para nós.
O problema surge quando transformamos julgamentos em afirmações.
Então, qual é a diferença entre os dois?
Uma afirmação pode ser verdadeira ou falsa, algo que podemos verificar e comprovar se é um fato ou não. O julgamento, por outro lado, é baseado em nossos próprios critérios, uma percepção que revela o tipo de observador(a) que somos do mundo. Diferentemente das afirmações, que descrevem a realidade como a observamos, os julgamentos criam uma nova realidade, afetando a identidade daquilo que está sendo julgado e abrindo ou fechando possibilidades de ação e relação.
Imagine que você esteja enfrentando um problema de pontualidade com um colega de equipe. Julgar nessa situação seria pressupor que essa pessoa é irresponsável ou que não tem consideração por você ou pelo seu trabalho. Essas inferências podem criar uma rotina defensiva entre vocês, levando a impasses e mais conflitos.
Quando julgo uma pessoa, estou fazendo uma previsão sobre sua conduta e acredito ganhar certo poder na maneira como me relaciono com ela.
Se julgo que João não é confiável em seus compromissos, esse julgamento determinará que tentarei não trabalhar com ele em projetos futuros. Se for obrigado a fazê-lo, terei que adotar medidas para minimizar o risco. Se tivesse o julgamento contrário, me bastaria sua palavra. Percebe que nos julgamentos, há uma certa previsão de como devemos atuar de forma coerente com esse juízo?
Assim como julgamos os outros, nos julgamos a nós mesmos. E é aqui que se vê o enorme poder dos julgamentos e o impacto profundo que têm sobre tudo que fazemos. Quantas vezes você já disse ou ouviu alguém dizer: “Eu sou assim!”?
Quando julgo Maria ou a mim mesmo, não digo: “estou julgando Maria” ou “estou fazendo este juízo sobre mim”. Digo: “Ele É assim!” ou “Eu SOU assim!”. Em outras palavras, ao julgar Maria, acredito estar dizendo uma verdade sobre ela. O mesmo ocorre quando me julgo. Esses julgamentos podem me prejudicar, pois, ao viver esses juízos como verdades, eles se transformam em resignação, escondida atrás de frases como:* “eu sou assim e sempre serei assim.”*
Sobre a questão dos julgamentos e como tratá-los, acreditamos que:
É necessário ter responsabilidade ao julgar
Um julgamento pode ser válido ou inválido, dependendo da autoridade e competência de quem o emite. A autoridade é essencial porque nem todos os julgamentos têm o mesmo peso ou impacto. No dia a dia, assumimos autoridade em alguns julgamentos. Por exemplo, quando julgamos Marcela como "chata", baseamos isso em nossa convivência com ela. Já em questões de saúde, damos autoridade aos médicos devido à sua formação e experiência.
Nosso julgamento sobre os outros e nossa realidade cria relações. Precisamos nos perguntar com qual autoridade e bases sólidas estamos fazendo isso. Precisamos também considerar os julgamentos dos outros sobre nós e decidir quem tem esse poder, porque a autenticidade vive quando seguimos nossos próprios julgamentos.
Fundar os julgamentos
Fundar um julgamento significa tentar entender por que julgamos, em qual esfera, fundamentando em quais padrões, e se podemos fundar um julgamento contrário, a partir de outro ponto de vista. Sendo assim, para fazer isso, acreditamos em algumas condições básicas para se fundar um julgamento:
Minha Inquietude (Por que julgo?): Sempre emitimos um julgamento por uma razão específica, visualizando um futuro onde esse julgamento abrirá ou fechará possibilidades. Por exemplo:
Se dizemos que Fernanda é "responsável", estamos destacando que ela se comportará de maneira responsável no futuro. Podemos emitir esse julgamento para promover Fernanda a uma posição de maior responsabilidade no trabalho.
Padrões de Conduta (A quais padrões de conduta se refere?): Julgamentos devem ser baseados em padrões específicos de comportamento. Esses padrões são comparativos e ajudam a avaliar a efetividade das ações.
Suponha que em uma empresa, a pontualidade é um padrão importante. Um colaborador é considerado pontual se chega no horário 90% das vezes. Se Fernanda atende a esse critério, podemos julgá-la como pontual.
Domínio da Ação (Em que âmbito julgo?): Julgamentos devem ser específicos ao domínio observado. Isso evita generalizações injustas.
Se julgamos Fernanda como "responsável" no trabalho, esse julgamento se refere ao seu comportamento profissional. Isso não significa que ela seja igualmente responsável em todos os aspectos de sua vida, como no cuidado de suas relações pessoais.
Afirmações que Respaldam o Julgamento (Que afirmações existem a respeito dos padrões utilizados?): Devemos ter fatos e dados que sustentem nossos julgamentos. Afirmações são observações concretas que fundamentam o julgamento.
Para julgar Fernanda como pontual, podemos observar os registros de entrada no trabalho. Se ela chega no horário acordado 90% das vezes, temos uma afirmação concreta que fundamenta nosso julgamento.
Verificar o Julgamento Contrário (Que afirmações fundam o julgamento contrário?): Considerar evidências que possam refutar nosso julgamento inicial ajuda a evitar erros e parcialidades.
Se julgamos Fernanda como "irresponsável" porque ela perdeu um prazo importante, devemos verificar se há evidências contrárias. Talvez ela tenha um histórico de cumprir prazos consistentemente e essa foi uma exceção devido a circunstâncias especiais. Isso pode nos levar a reconsiderar nosso julgamento inicial.
Quando aplicamos a ótica dos julgamentos em nossas relações e no acompanhamento de pessoas, usamos uma lente de percepção sobre o que realmente está acontecendo. Aprender a ver os julgamentos como aberturas para novas perspectivas nos leva a questionar o que consideramos verdade inquestionável e a ponderar: por que não? Por que as coisas não podem ser diferentes?
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