Design Ontológico Comportamental
Aprender a aprender
Entenda a importância de aceitar o desconhecido para aprender genuinamente. Saiba como superar a pressão do 'saber tudo' e abraçar a aprendizagem como um processo contínuo.
Autora: Marisa Gimenes
Aprender, no momento da história que vivemos, está muito relacionado com uma lógica de depósito. Alguém com mais conhecimento deposita informações, sobre um indivíduo que não necessita entender, mas sim replicar.
Quando olhamos para o ambiente escolar, nos deparamos com um modelo onde o professor, detentor de maior conhecimento, “transfere” ou “deposita” todo seu conhecimento ao estudante, figura que se entende desprovida de conhecimentos e com espaços vazios a serem preenchidos. A isso chamamos de aprendizagem.
Essa aprendizagem está desconectada da aplicabilidade da vida. A realidade presente é, muitas vezes, diferente da realidade desejável. O aprender deveria ser um impulso para tornar realidade o que se acredita ser importante para uma determinada situação.
Todo processo de aprendizado começa na ignorância ou na incompetência. Essa palavra - incompetência - é carregada de significados depreciativos, tanto no mundo acadêmico, quanto no corporativo e familiar. Ela carrega um estigma, uma vez que somos premiados pelo que sabemos e recriminados ou reprovados pelo que não sabemos. Logo, não é permitido o não-saber.
O saber nos dá status, o não-saber nos coloca no lugar escuro e ao lado, na marginalidade. Quando éramos crianças poucos tinham a coragem de dizer "não sei" e, quando isso ocorria, na maioria das vezes (para não dizer em todas) havia uma risadinha que corria pela sala e se, esta mesma criança tornava a se expor, muitas vezes a professora dizia que depois ela explicaria somente para ela. Ou seja, a recorrência da hesitação, da dúvida e do “ainda não saber” gerava desconforto em todos, por motivos diferentes. A valorização acontecia somente para algumas crianças que levantavam a mão para mostrar que já sabiam (a resposta certa, que invariavelmente era a do professor e das antigas fontes de conhecimento) e, a partir deste momento, este aluno era colocado no grupo dos estudantes inteligentes e que não dão trabalho. Fica fácil entendermos porque o saber é apreciado e o não saber é ignorado, pois nosso entorno não nos deixa em destaque, nos fazendo sentir a incapacidade, e isso é tido como algo ruim.
Estamos sendo treinados há anos na cultura do "finja que sabe", mesmo quando isso não é verdade. Geramos tensão em todo o nosso sistema por conta desse traço cultural e, muitas vezes, adoecemos por esse motivo e levamos estas tensões e enfermidades para o mundo adulto.
Em toda essa história de aprendizagem aparecem dois personagens: o "sabe tudo", que é aquele que precisa estar certo 100% do tempo e quando isso não ocorre fica visível sua fragilidade; e o “aprendiz” que é curioso e declaradamente diz que não sabe e que tem vontade de aprender.
Para exemplificar o parágrafo acima podemos dar uma espiada muito rápida no mito do herói de Joseph Campbell, que declara que em qualquer história vivida existe um caminho de aprendizagem. Um ótimo exemplo é o filme de animação O Rei Leão, no qual Simba é um jovem aprendiz que se depara com a culpa, depois incompetência e, por último, com uma falta de significado, até que Nala surge para lembrá-lo de quem ele é. A partir dessa constatação, ele descobre que o poder do caminho para a aprendizagem passa por compreender a distância entre a sua visão e a realidade que vive. Entre tantas mensagens do filme, compreendemos que vários personagens são facetas de um único ser.
Reconhecermos as áreas de incompetências temporárias é fundamental para podermos seguir em frente e nos depararmos com acertos e erros, pois somos aprendizes principiantes e precisaremos dedicar tempo e recursos para praticarmos e nos tornarmos mestres nestas competências antes inexistentes.
A habilidade de aprender a aprender tem muitas facetas, sendo também responsável pela mudança de estado de ânimo. As crianças pequenas têm grande capacidade de aprender a aprender, pois julgam-se muito menos que os adultos (até por volta dos 10 anos) e, até essa idade, são capazes de se entregarem ao que necessitam aprender, de escalarem móveis, aparecerem em lugares sorrateiramente, um dia balbuciando palavras e, de repente, falando com fluência.
Porém, ocorre um fenômeno: de repente começam a acreditar que já não são mais capazes de tudo, vão perdendo essa capacidade, descobrem que tem outras crianças com capacidade similar e começam a se comparar. Essa comparação leva a um abandono ou a uma ansiedade e é aí que começa o distanciamento da crença de que é sempre possível aprender coisas novas.
Estados de ânimo defensivos podem deter o aprendizado. A necessidade de se defender surge da necessidade de ser digno na comunidade, time e/ou família.
Creio que urge nos conectarmos com as características da criança. Quando fazemos isso estamos nos conectando com algo que todos nós vivemos. Todos nós fomos crianças livres um dia e tínhamos a capacidade de aprender sem limites e principalmente sem julgamentos. Os julgamentos vão surgindo no convívio com a família e comunidade.
Para algumas pessoas essa conexão com a sua criança pode ser entendida como infantilidade, termo que foi aplicado de maneira equivocada. Deveríamos substituí-lo por imaturidade que é o ato de não assumirmos ainda a responsabilidade pela vida adulta.
Nosso foco está em entendermos porque ocorre essa quebra abrupta com nossa criança. Nossa história traz essa explicação. O conceito chamado infância foi introduzido no século XVII, a partir de uma separação entre o adulto e a criança, por meio da escolarização. Antes, por não haver distinção entre idades, todos aprendiam da mesma maneira e sobre as mesmas temáticas. Aprender era o ato de estar juntos coletivamente sem comparações de idade, sexo ou etnia. Aprender não tinha idade, só precisava se permitir ser principiante, em vários contextos e momentos da vida. Houve uma ruptura com a aprendizagem mais fluida e sem tantas regras e normas.
Quais são as áreas da sua vida que te custam declarar: “Eu não sei” ?
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